O que há em um nome

Cafés são meu segundo escritório. Um lugar onde procuro wi-fi, poltrona e, incidentalmente, um bom espresso. Mas será que é mais confortável trabalhar no Sofá Café, mais científico trabalhar no Coffee Lab e mais focado trabalhar no Por um Punhado de Dólares? Em Londres, o site “Information is Beautiful” fez uma taxonomia de nomes de cafés e encontrou desde “Tremors” até “Mother’s Milk”.

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Sr. Drácula, aceita uma água de coco?

O New York Times diz que a principal mudança recente na dieta norte-americana é a queda no consumo de refrigerantes. A Lucky Peach avisa sobre o exagero de achar que água de coco pode substituir o plasma sanguíneo. De acordo com o relatório que mapeia 12 tendências em alimentos e bebidas da Mintel, aditivos artificiais são o novo “inimigo público número 1.”

Epuff…ania

Quando eu quero organizar as ideias, coloco um CD de música clássica no volume máximo e organizo o freezer e a geladeira. Faço um inventário meticuloso que começa com a identificação dos ovos por data de compra e termina com a organização simétrica das laranjas na gaveta. Revejo o que existe congelado no freezer. Realoco os itens nas prateleiras de acordo com a data de consumo. Descarto potes sem data, cuja cor e aparência já não trazem pistas de sua origem em um jantar distante (“Só sobrou um restinho mas está uma delícia, congela que a gente come domingo que vem.”) Por fim, com todos os potes na geladeira arranjados por tamanho e com o rótulo voltado para a frente, termino a atividade com a mente tranquila — pelo relato que ouço dos adeptos da meditação, o efeito deve ser semelhante.

Hoje eu acordei, escolhi um CD favorito (a trilha sonora do filme Bleu, do Kiéslovski) e coloquei no aparelho. O tempo nublado, o clima ameno, a casa em silêncio e eu antevendo o prazer da arrumação da próxima meia hora. O aparelho fez um puff…, soltou uma fumaça com cheiro de queimado e apagou sem devolver meu CD.

Puff! Fiquei sem meu CD, perdi a graça de arrumar tudo, decidi começar a segunda-feira com as ideias confusas e mal organizadas, algumas novas, algumas velhas, algumas congeladas sem pistas de sua origem em uma epifania distante (“Que ideia incrível, segunda-feira que vem começo esse projeto sem falta.”)

O gosto na língua e na cabeça

É mesmo meio estranha a faculdade que eu tenho de lembrar, por anos a fio, do gosto de outras pessoas. Isso já me proporcionou uma refeição memorável, quando recebi em casa um amigo da família e fiz para ele um prato que ele mencionara casualmente há mais de vinte anos: era um cozido de carne e legumes que incluía pegaços de espiga de milho verde para serem sugados depois da refeição.

Lembro-me do ex-marido de uma colega de trabalho (eu o vi uma única vez na vida) que gostava de pudim de leite condensado com caldo de limão espremido por cima. Tem também meu primo, que raramente encontro, mas sei que gosta de suco de laranja batido no liquidificador. E ainda um antigo colega de trabalho que gostava de rabanete e detestava rúcula.

Onde é que está, afinal, o gosto de tudo isso? Na língua ou na cabeça? Como sentimos e como comparamos os gostos? A partir de 16 de outubro, e por quatro sextas-feiras, Carlos Alberto Dória e eu falaremos sobre a construção do gosto na cultura e na gastronomia, abordando desde os antecedentes de Brillat-Savarin até a compreensão atual deste conceito. Mais informações aqui: http://up.mackenzie.br/extensao/cursos-de-extensao/gastronomia/a-cultura-e-a-formacao-do-gosto-1610-a-0611/

Três moças tristes e seus pratos de trigo

Metrô República, 9:43, entro no trem.

A primeira moça tem luzes no cabelo, casaco branco de brim e óculos bem escuros, de armação branca. Coloca os fones de ouvido, encosta a cabeça, (fecha os olhos?) e mexe lentamente os lábios pintados de vermelho. Está cantando em silêncio uma canção triste ou repetindo frases de um CD de auto-ajuda?

A segunda moça está lendo Harry Potter. O livro está encaixado em um porta-livros de tecido acolchoado verde, com estampa miúda de flores e alcinhas também de tecido, para carregar o volume como se fosse uma bolsinha. Romântica, claro. Ao tirar os olhos do livro, vê à sua frente o moço de dois metros de altura, barba bem aparada, roupa impecável. Perde a concentração no livro, avança uma página, volta. Continua lendo, mas de vez em quando ergue os olhos. Quem sabe os olhares se cruzam, acontece uma mágica e o moço alto se transforma no seu príncipe Harry (o real, não o Potter).

A terceira moça está nas últimas páginas de um livro bem grosso. Ergue os olhos aflita verificando se o trem já vai chegar na sua estação. Nada mais chato que deixar um romance nas últimas três páginas, não saber se o mocinho vai casar com a mocinha, ou se é um romance moderno em que os dois terminam tristes e sós. Esperar até o fim do dia, e se o metrô estiver muito lotado, só vai dar para terminar o livro no dia seguinte.

Deduzo rapidamente o lanche que cada moça traz em sua bolsa: a primeira, não tenho dúvida que carrega uma barrinha de cereais. A segunda, um bolinho Ana Maria de chocolate. A terceira beberá água e usará o horário do lanche para terminar o livro.

Metrô Faria Lima, 10:12.

 

Episódio 4: Dançando com os porcos

Últimas semanas do ano: amigos saem para jantar, “Nossa, como você está bem!”, trocam presentes, juras de amizade eterna, promessas de que no ano que vem não vão passar tanto tempo assim sem se ver. “Nunca vim aqui, é bom?”

22:45. Restaurante lotado e três mesas pedem, ao mesmo tempo, menus degustação. Eu faço o possível para sair do caminho, na retirada puxo o iPhone da tomada, me enrolo todo, atrapalho o Landgraf que está finalizando não sei quantos pratos e levo uma bronca.

Os seis cozinheiros do Epice fazem seu trabalho num espaço de 50 m2. Acrescente as bancadas de trabalho, os equipamentos, seis cozinheiros, o pia e eu, o estagiário que tenta tirar fotos, e sobram dois corredores por onde todos se movem, o tempo todo. Cada cozinheiro que passa com uma panela, faca ou ingrediente dispara um “Queima!” ou um “Trás! Trás!” quando para evitar esbarrões e acidente. Eu contabilizei as interjeições e fiz a média: você ouve este aviso a aproximadamente cada 30 segundos.

“Trás! Trás!”

“Queima!”

“Reposição do couvert pra mesa 7!”

“Trás!”

“VOCÊ PRECISA CARREGAR SEU CELULAR AQUI?”

Eu me refugiei atrás da ilha central e fiquei atento ao ritmo da montagem dos pratos e à agitação da cozinha. A equipe trabalha silenciosa, concentrada e em sincronia. De repente Zé, o subchef, deixa a sua praça, vem na minha direção e pede, tranquilamente: “Você pode embalar à vácuo aquelas vinte paletas de porco que que vou usar amanhã?”.

A tarefa consistia em colocar um pedaço de paleta de porco num saco plástico, acrescentar duas conchas do caldo para cozimento, dois ramos de tomilho e fechar na seladora à vácuo. O espaço que eu tinha para trabalhar ficava atrás da ilha central. Exatamente atrás de mim, o freezer horizontal. Mais para a direita, a porta da câmara fria. Ao lado esquerdo, um espaço exíguo com a panela do caldo, ao lado da chapa. Se eu desse um passo para trás em direção à esquerda, bloqueava o forno e a passagem de quem estivesse montando o couvert. (Pense na coreografia Vasos, da Debora Colker, neste vídeo, a partir do minuto 3:30).

Sob a reclamação do Vítor, que ia começar a soltar as sobremesas, deixei minha bandeja com os porcos embalados em cima do freezer onde estavam guardados os sorvetes. Comecei a fazer minha mini-coreografia abre-saco-bota-caldo-e-tomilho-sela-põe-na-bandeja, desvia-do-cozinheiro, desvia-da-porta-da-câmara-fria. Sempre de rabo de olho no freezer para não atrapalhar o Vítor.

Terminei a tarefa. E então, ao mesmo tempo em que a cozinha soltava pratos para as mesas recém-chegadas, começaram a sair as sobremesas. Não tinha um cozinheiro por perto para me dizer onde guardar meus porcos. O Lucas olhou feio, tirei a bandeja do freezer. Fui para a esquerda. Alguém estava tirando pães do forno. Voltei para o meio, para me desviar da porta da câmara fria. Fiquei nessa dança com porcos alguns minutos, até que o Zé, com sua paciência de pintar capela sistina veio me resgatar e dizer onde guardar a bandeja.

Com a noite já quase encerrada, desci para me trocar, procurando em que bolso estava o celular. Teria sido embalado à vácuo junto com uma paleta de porco?

Episódio 1: Era um uniforme muito engraçado

Onze da manhã e eu na porta do restaurante. O chef abre a porta, me dá as boas-vindas e me mostra o vestiário. Eu tiro da mochila o dolmã, o avental, os crocs e me troco lentamente, pensando que ainda dá tempo de dizer que foi só uma brincadeira.

Quando liguei para um chef pedindo para estagiar em sua cozinha, ele aceitou na hora, e e eu pensei: “Ele está louco ou esqueceu que não sou cozinheiro?”

Essa história tem vários começos: em deles está em 2008, quando li “Calor”, do Bill Buford, e me interessei seriamente pelo mundo da cozinha. O livro, e tudo o que aprendi nos últimos cinco anos, me ajudou a evoluir do estágio de cozinheiro medíocre para cozinheiro destemido (embora ainda medíocre). O que está ótimo, porque não tenho a intenção de ser cozinheiro profissional.

Mas a história também também se inicia quando fiz mestrado e decidi que, no doutorado, voltaria a estudar o mesmo tema em uma UTI, ou em uma cozinha — o que em alguns momentos dá no mesmo. Pense bem: uma seis pessoas preparam 180 pratos num espaço de 90 minutos. Isso é só um almoço tranquilo na segunda-feira de chuva.

Mas a história começa também assim: após onze anos como executivo, tenho a rara chance de fazer uma pausa na carreira e buscar novas formas de aprender. Por que não fazer isso fora da sala de aula, num ambiente quase desconhecido, com outra cultura, outras regras, muito calor e lâminas afiadas?

Me sentindo meio rídiculo no uniforme, desci as escadas de volta para a cozinha. Talvez sentir-se ridículo seja uma forma de manter a auto-crítica, o espírito alerta para aprender e o cuidado para não cortar o dedo: o mico que eu queria evitar, a todo custo, no primeiro dia.

Um post Caetano

Pinguim inflavel

Lindos dias de verão nesse inverno de 2013. Tenho acordado cedo, e junto com o primeiro café, abro o jornal e vejo as manchetes: algum presidente dos Estados Unidos quer atacar algum país do Oriente Médio. Não sei que empresa lançou um monitor que tem muito mais pixels e nitidez do que o monitor com muito mais pixels e nitidez que foi lançado no ano passado. E a Apple, hein? Lançou toda uma linha de telefones coloridos!

Quem lê tanta notícia? O sol me enche de alegria e preguiça, e decido que, a partir de agora, eu defino o que é manchete. De formas que a matéria de capa do meu jornal destaca que minha filha aprendeu a andar de bicicleta sem rodinhas. Enfiou o guidão no olho, ralou o joelho e trombou com um poste. E eu estou super orgulhoso.

No  caderno de política, a principal notícia é que a empregada plantou tomates por cima das minhas cenouras. Isso gerou um stress quase incontornável, posto que a economia doméstica será afetada pelo excesso de tomates-cereja e a safra prevista de uma única cenoura. A empregada não quis comentar o fato, mas fontes afirmam que a situação diplomática está controlada desde que se descobriu um pé de beldroega que não tinha sido plantado por ninguém.

No caderno policial, o destaque é o pinguim inflável que foi visto dentro de um carro na marginal, num caso flagrante de seqüestro relâmpago.

Por que não? Por que não?

Bairro

No alto-falante, uma sequência de Cindy Lauper, Sade e U2. Depois Simply Red, mas não se ouve bem porque o lugar já está lotado e o único garçom se desdobra para atender a todos.

Pelo som, parece uma discoteca dos anos 80, mas é apenas um bar, Taberna de Moncloa às dez da manhã do sábado, as pessoas chegam para tomar café. Desisti de passar o fim de semana em Barcelona e declinei um convite para ir a Toledo, porque já começo a ter dificuldade para processar palácios, castelos e monastérios. Preciso de calma de bairro, de comerciantes varrendo a porta da loja e limpando vitrinas, pessoas com carrinhos indo às compras, sou capaz até de sorrir para gente passeando com cães.

 O garçom dispara pedidos para a cozinha –  “trés pulgas de tortilla y una tostada!”, “una tostada con tomate y una pulga de ensalada de cranguejo!”, tira cafés, responde aos cumprimentos e faz brincadeiras com os clientes mais conhecidos. Atende um fornecedor que chega com caixas e caixas de batatas e ovos, assina o pedido, volta ao balcão e me serve um café por engano – o cliente ao lado também usava chapéu. Coloca a louça na máquina.

 Eu leio, ou quase leio, e observo o vaivém de copos no balcão. Café com leite para alguns, cerveja para dois tempraneros que pedem sanduíche de caranguejo, Coca-Cola para uma turma de estudantes que comem tortillas. A trilha sonora me ajuda a colocar os pensamentos em ordem, Queen, faz parte do meu bairro mental,  são ruas conhecidas em que não preciso de mapa ou GPS, não há monumentos nem ângulos perfeitos para fotografia, apenas as mesmas ruas que cruzam sem fim as mesmas ruas.

Ao sair me despeço do garçom pelo nome, gracias Luis, hasta luego, venga, de nada. Descendo a rua encontro a livraria Altaïr, especializada em literatura de viagem, sou engolido pela estantes com guias de todo o mundo. A cidade é uma armadilha.